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Será que tenho compulsão alimentar?

Nutrëncia - será que tenho compulsão alimentar

Será que tenho compulsão alimentar?

Muitas pessoas chegam à consulta de nutrição e afirmam que têm compulsão alimentar sem nunca lhes ter sido dado um diagnóstico. Mas será que se trata sempre de compulsão alimentar?

O que é realmente a compulsão alimentar?

 O transtorno de compulsão alimentar é um distúrbio alimentar que envolve profundas alterações no comportamento alimentar, comprometendo significativamente a saúde física e mental1.

Ao contrário do que se pode imaginar, um episódio de compulsão alimentar não é agradável! É na verdade um momento de muito sofrimento para quem o tem. Para além disso, este é habitualmente rápido, o que muitas vezes não dá tempo suficiente para perceber sequer o sabor da comida – o que leva a que se misturem muitos sabores que não combinam durante um episódio.

Há algumas pessoas que associam a falta de controlo de um desejo por determinado alimento (normalmente alimentos específicos) a um episódio de compulsão alimentar, o que é errado.

  • Gostar muito de comer não significa que tenha compulsão alimentar;
  • Comer em exagero não significa que tenha compulsão alimentar;
  • “Sair da dieta” não significa que tenha compulsão alimentar;
  • Comer por “gula” não significa que tenha compulsão alimentar;
  • Sentir que precisa de comer um doce não significa que tenha compulsão alimentar;
  • Comer por ansiedade não significa que tenha compulsão alimentar.

Em todas estas situações o transtorno de compulsão alimentar pode estar presente, no entanto, o comportamento precisa de ter características específicas – ou seja, não é por isto lhe acontecer às vezes que significa que tenha um transtorno de compulsão alimentar.

A diferença entre compulsão alimentar e exagero alimentar

Exagero alimentar é diferente de compulsão alimentar!

Compulsão alimentar

  • Quantidades e velocidades maiores comparado com a quantidade e velocidade que a própria pessoa conseguiria comer numa situação similar, associada à sensação de perda de controlo, seguida por sentimentos de culpa e sofrimento1;
  • Acontece quando há uma relação emocional envolvida, o alimento acaba por ser utilizado como forma de conforto – ou seja, é uma via não funcional para lidar com as emoções – tapando-se o “vazio” com a comida1;
  • Normalmente não se comem alimentos específicos – as pessoas comem aquilo que está disponível. Há pessoas que relatam comer combinações improváveis ou que nem gostam muito – por exemplo comida gelada saída do frigorífico porque não conseguiram esperar até aquecer1;
  • Está associado a um ciclo de restrição/compulsão que pode começar com insatisfação corporal – existe uma insatisfação com o corpo, é feita uma restrição de alimentos ou até mesmo grupos de alimentos que depois leva a um episódio de compulsão1.

Por outro lado, um exagero alimentar é uma situação com uma frequência mais baixa e que pode ser promovido pela presença numa festa, pela facto da comida estar boa, ser uma comida que gosta, entre outros fatores.

A restrição de alimentos ou de calorias na alimentação, assim como a sensação de ansiedade pode levar a episódios de exagero alimentar.

O transtorno de compulsão alimentar é uma doença porque há uma perda da liberdade de escolha – é a comida que controla e a pessoa deixa de conseguir ser autónoma nesse sentido. Para além disso, é normal a comida ser uma fonte de prazer, mas quando só é possível sentir prazer a comer, esta passa a ser uma relação disfuncional.

Como é que posso saber se tenho transtorno de compulsão alimentar?

Se sente que a sua relação com a comida é disfuncional, deve consultar um profissional de saúde habilitado. O médico psiquiatra é o único profissional de saúde que está habilitado para fazer este diagnóstico. No entanto, aconselha-se que haja intervenção de uma equipa multidisciplinar – psiquiatra, psicólogo e nutricionista.

Qual é a origem?

O transtorno da compulsão alimentar é uma doença multifatorial – o que significa que ninguém o desenvolve apenas por um motivo, estão sim presentes um conjunto de fatores que podem fazer com a que a pessoa tenha mais predisposição para o seu desenvolvimento.

Alguns fatores que podem estar presentes antes do aparecimento da doença e que são considerados fatores gatilho – ou seja, não significa que todas as pessoas que tenham vários destes fatores venham a desenvolver um transtorno de compulsão alimentar:

  • Características de personalidade como baixa-autoestima, procura constante de controlo, perfecionismo, rigidez, entre outras;
  • Fatores genéticos, sabe-se que um pessoa com um transtorno de personalidade está mais propensa a desenvolver uma perturbação de comportamento alimentar;
  • Fatores socioculturais, como por exemplo, o padrão de beleza imposto pela sociedade;
  • Excesso de peso e/ou obesidade na infância, uma vez que a maior parte das intervenções são focadas no peso;
  • Algumas patologias que precisam de mais vigilância e atenção em relação a alimentação, como a diabetes tipo 1

É importante ressalvar que eventos stressantes, como a prática de restrições alimentares é um dos principais fatores que pode ser gatilho no aparecimento deste comportamento alimentar perturbado.

Tem cura?

O termo “cura” tem vindo a ser discutido na área da saúde, uma vez que no dicionário esta é definida como o restabelecimento total da saúde, o que leva à ideia de que não se volta a ter aquela doença de forma definitiva.

É sim possível que haja uma remissão total dos sintomas, mas não é impeditivo que mais tarde haja recaídas ou se desenvolva outra perturbação do comportamento alimentar.

De forma que haja uma melhoria da qualidade de vida e remissão dos sintomas, é importante pedir ajuda o mais cedo possível.

De que forma é que todos, enquanto sociedade, podemos ajudar a prevenir perturbações do comportamento alimentar? 

Todos as doenças de comportamento alimentar têm causas multifatoriais, e não podemos intervir em fatores genéticos ou biológicos, por exemplo. Mas podemos sim, interferir em fatores socioculturais!

Alguns comportamentos a adotar:

  • Evitar falar sobre dietas em frente a crianças e adolescentes;
  • Fazer das refeições um momento calmo à mesa;
  • Não expor o peso de amigos ou familiares;
  • Não contar calorias, principalmente em frente a crianças e adolescentes;
  • Lembrar-nos que comemos comida e não nutrientes;
  • Ensinar as crianças que todas as pessoas têm corpos diferentes e que isso é bom;
  • Incentivar a prática de exercício físico por ser uma atividade com benefícios para a saúde e não por ajudar a emagrecer;
  • Não classificar os alimentos como bons e maus, principalmente como permitidos durante a semana e permitidos durante o fim de semana;
  • Não estimular a comparação com outras pessoas.

Referências

  1. American Psychiatric Association. DSM-5 Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. (2013).

 

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