O que é a cultura de dieta?
Fazer dieta tem sido associado a efeitos negativos na saúde, e é uma prática normalizada entre mulheres de todas as idades, formas e tamanhos. Sabe-se que pessoas que fazem dieta têm tendência a repetir o processo mais do que uma vez, porque o sucesso da perda de peso é baixo1,2.
Este ciclo de constante perda de penso – ganho de peso – perda de peso, conhecido como efeito yo-yo, está associado a um maior stress sob o corpo, como já falámos no artigo “Riscos das dietas: efeito yo-yo”.
A cultura da dieta ou diet culture pode ter diferentes definições, no entanto, de uma forma geral representa a normalização de dietas como um mecanismo de controlar o corpo e o conjunto de crenças associados à magreza3.
Podemos pensar como se fosse uma lente através da qual a maior parte de nós vê a beleza, saúde e os nossos próprios corpos e que altera o nosso julgamento e decisões sobre como nos sentimos e tratamos.
Parte do problema está relacionado com o facto de termos como “bem-estar” ou “saúde” serem um eufemismo para dieta
A cultura da dieta associa a magreza a saúde, sucesso e valor moral e diz-nos que qualquer pessoa que esteja motivada e tenha força de vontade é capaz de atingir um tamanho de corpo “perfeito”.
Apesar de sabermos que a grande maioria das dietas não resulta a longo prazo e que cerca de 95% das pessoas volta a ganhar o peso perdido passado algum tempo2, a verdade é que a cultura da dieta nos faz sentir mal connosco mesmos por não conseguirmos manter o corpo considerado padrão, ao mesmo tempo que sugere que se perdermos peso nos vamos sentir melhor.
Não podemos falar de cultura de dieta sem ter em consideração o contexto de capitalismo em que vivemos, onde nos são impingidas soluções milagrosas para emagrecer, como cremes ou comprimidos, dietas, alimentos light e procedimentos estéticos e cirúrgicos3.
Existem muitos mitos em relação à perda de peso, nomeadamente, ao que é necessário fazer para que esta aconteça.
É-nos constantemente transmitido que se queremos perder peso só precisamos de estar em défice calórico (consumir menos calorias do que aquelas que gastamos).
No entanto, está bastante bem estudado que a perda ou ganho de peso não depende apenas da alimentação ou atividade física4.
Existem inúmeros fatores que podem influenciar o balanço energético, alguns dos quais que não são modificáveis4.
Assim, é bastante redutor afirmações que nos levem a crer que basta controlar o que comemos e fazer mais exercício físico para emagrecer, perpetuando ainda mais o sentimento de culpa quando estratégias como dietas e restrições não funcionam.
A cultura da dieta promove a discriminação
Pessoas com excesso de peso e obesidade sofrem, muitas vezes, de discriminação – seja no seu local de trabalho, em instituições de ensino ou no acesso a cuidados de saúde5.
São vários os estudos que mostram que o estigma do peso pode levar a danos físicos e/ou psicológicos e que as pessoas afetadas estão mais propensas a receber cuidados de saúde desadequados5–7.
Estimula o sentimento de fracasso
Não existem estudos que demonstrem que fazer dieta resulta a longo prazo. Os estudos que existem com resultados positivos são todos a curto prazo, sendo que depois não é avaliada a manutenção do peso perdido2.
Para além disto, os estudos que abordam os benefícios de perder de peso não avaliam o que acontece quando todo o peso é ganho de volta e, por vezes, ainda mais.
Se lhe dissessem que um medicamento tinha uma taxa de sucesso de 5% tomaria na mesma? Com possíveis efeitos secundários na sua saúde? A resposta é muito provavelmente, claro que não!
Então não faz sentido continuarmos a fazer dieta, quando se sabe que a probabilidade de resultarem a longo prazo é muito baixa. O que apenas vai fazer com que no final se sinta frustrada por ter fracassado, quando a culpa não é sua, mas sim da estratégia em si.
Normaliza comportamentos alimentares perturbados
Comportamentos como pesar tudo o que come, sentir que tem que se despedir dos alimentos, contar as calorias do que come, fazer exercício ou jejum como forma de compensação, restringir grupos de alimentos, comer em exagero e sentir perda de controlo, entre outros, não são comportamentos saudáveis!
No entanto, a cultura da dieta diz-nos que isto é o que significa ter uma alimentação saudável. Irónico, não é?
Este tipo de comportamento pode estar presente num caso de transtorno de comportamento alimentar, mas não só. Muitas vezes, a pessoa não apresenta critérios para diagnóstico de transtorno alimentar, mas não tem uma relação saudável com a alimentação – a isto podemos chamar comportamento alimentar perturbado.
Alimenta indústrias que fazem dinheiro com as suas inseguranças
Em todo o mundo, as pessoas gastam bilhões de dólares por ano para alcançar o que a cultura da dieta promete, quase sempre sem sucesso. A indústria da perda de peso atingiu um novo pico em 2018 no Estados Unidos da América, representando 72,7 bilhões de dólares8.
O que é ser anti-dieta?
Ser resistente à cultura da dieta não significa ser anti-saúde – na verdade, é exatamente o oposto.
Movimentos anti-dieta defendem medidas de saúde baseadas em evidência científica, sem foco no peso corporal.
Desta forma, podemos viver de forma mais feliz sem termos de estar constantemente a policiar escolhas alimentares, calorias, macronutrientes, etc. O objetivo deste tipo de movimentos é ajudar as pessoas a ganhar consciência alimentar e comerem o que desejam na quantidade que precisam, sem distrações constantes e com foco em questões mais importantes do que apenas a aparência física.
Referências
- Tylka, T. L. et al. The Weight-Inclusive versus Weight-Normative Approach to Health: Evaluating the Evidence for Prioritizing Well-Being over Weight Loss. Journal of Obesity vol. 2014 (2014).
- Fildes, A. et al. Probability of an obese person attaining normal body weight: Cohort study using electronic health records. American Journal of Public Health 105, e54–e59 (2015).
- Jovanovski, N. & Jaeger, T. Demystifying ‘diet culture’: Exploring the meaning of diet culture in online ‘anti-diet’ feminist, fat activist, and health professional communities. Women’s Studies International Forum 90, 102558 (2022).
- UK Government’s Foresight Programme. Tackling Obesities: Future Choices-Obesity System Atlas. www.foresight.gov.uk.
- Rubino, F. et al. Joint international consensus statement for ending stigma of obesity. Nature Medicine 26, 485–497 (2020).
- Puhl, R. M. & Heuer, C. A. The stigma of obesity: A review and update. Obesity vol. 17 941–964 (2009).
- Phelan, S. M. et al. Impact of weight bias and stigma on quality of care and outcomes for patients with obesity. Obesity Reviews vol. 16 319–326 (2015).
- Marketdata LLC. The U.S. Weight Loss & Diet Control Market. https://www.marketresearch.com/Marketdata-Enterprises-Inc-v416/Weight-Loss-Diet-Control-12225125/?progid=91444&hsCtaTracking=b2883190-dbf9-46a6-8dc4-35009c1dcede%7C3b787269-415e-4824-a26d-cb54e011d298 (2019).
1 Comentário
Porque é que estou sempre com fome? — Nutrëncia
18/04/2023 at 15:41[…] entanto, a cultura da dieta que está tão presente na sociedade diz-nos que não somos capazes de fazer esta gestão e ouvir […]